Abolição da escravatura no Brasil

Nesta quinta-feira (13), completam-se 133 anos desde que a Lei Áurea foi instituída no Brasil, pelo decreto imperial N° 3.353. Mesmo depois de quase um século e meio, a mentalidade preconceituosa e o racismo estrutural ainda estão presentes na sociedade brasileira e no mundo. De acordo com especialistas, existem fatores sociais e psicológicos que contribuem para que isso ainda seja recorrente.

O doutor em Ciências Sociais, César Bueno de Lima, conta que a raiz do preconceito no Brasil surge com o processo de colonização dos portugueses no país. Foi imposta uma concepção de supremacia de homem branco, superior às demais raças. “É parte da constituição histórica do país e persiste ainda hoje. A abolição da escravatura foi um processo que se  deu apenas do ponto de vista jurídico, uma vez que as condições econômicas, sociais e educacionais para garantia do exercício de cidadania do homem e da mulher negra não foram garantidas pelo Estado”, explica Lima.

De acordo com Christiane Shoihi Sato, mestre e doutoranda em Serviço Social e coordenadora do curso de Serviço Social da UNG, esses fatores implicam na dívida social que o Brasil tem com a população negra. Para ela,  as cotas raciais servem como medida emergencial para sanar essa desigualdade na estrutura socioeconômica entre brancos e negros no país, presentes em inúmeros setores sociais do país, desde as igrejas, até as escolas e universidades.

Apesar do cenário de preconceito, Christiane afirma que houve avanço na discussão dos direitos da população negra, mas é preciso avançar ainda mais. “O sistema penitenciário é composto por mais de 80% de mulheres e homens negros. A tratativa da Polícia com os meninos classe média branca é totalmente diferente do trato dos meninos periféricos. Nossa população carcerária tem cor, os meninos que morrem nas favelas têm cor. Isso é racismo estrutural”, define.

Mesmo que os conceitos e princípios do racismo estejam implantados em determinada região, César Bueno de Lima explica que biologicamente nenhuma pessoa nasce com mentalidade preconceituosa, seja ela relacionada à cor, raça ou etnia. “O preconceito é uma construção social, que ocorre na infância. A família é uma instituição social, e pode impor valores e crenças preconceituosas no processo de socialização da criança, e se estender ao longo da vida”.

Já sobre aspectos relacionados ao processo de construção preconceituosa no âmbito da psique, existem elementos cognitivos, afetivos e comportamentais que podem corroborar para tal, segundo a psicóloga Rosana Cibok. “Temos o poder de classificar e estereotipar [as coisas] de acordo com as nossas crenças. Por sua vez, essas crenças estão arraigadas em nossas mentes e são criadas a partir do que vimos e ouvimos desde a nossa infância”, explica Cibok.

Ela lembra que é possível uma pessoa crescer sem a consciência do que é preconceito, e assim “corre-se o risco de ser preconceituoso sem ao menos saber que é”, diz ela.  A psicóloga ressalta que os pais servem como modelo para a criança nesta fase de construção de personalidade e criação de valores. “As falas dos pais são carregadas de intensidade de emoção, seja ela positiva ou negativa, o que pode estabelecer a intensidade de reação causada no outro”.

Como forma de desconstrução de preconceito em situações que a pessoa chega à vida adulta e ainda está com esses ideais fixados, a psicóloga aponta que pode ser tomado o caminho inverso: crianças podem ser as protagonistas de um processo de recriação de valores. “O adulto tem crenças enraizadas que poderão ser quebradas com o conhecimento e as atitudes das crianças”. Rosana explica ainda que mesmo que  preconceito tenha sido instaurado historicamente e passado de geração em geração, a escola tem papel  fundamental no esclarecimento e entendimento da história dos negros no mundo e o dever de promover a igualdade. A criança não será preconceituosa se tiver acesso à informação sem pré-julgamentos.

A arte também pode servir como um instrumento de educação, pois constitui  uma ferramenta que pode ser usada nesta causa e está à disposição da sociedade. Rosana lembra  que o cinema mostra sua força “nesta luta” contra o preconceito racial, social, cultural, uma vez que a arte em si tende a unir as pessoas de forma igualitária, sem fazer distinção. “Educação e diálogo. Temos que reescrever a história de forma clara e mostrar caminhos para que as crianças criem seus valores, multiplicando o conceito de que não existem raças e sim uma única raça: a humana”, lembra ela.

Fim do racismo. É possível?

De acordo com o doutor em Ciências sociais, sim, mas leva tempo. “Uma sociedade livre e sem preconceito é um processo sócio-histórico. Está condicionado à capacidade de organização e luta dos grupos sociais historicamente marginalizados”. Como forma de reverter este cenário, Lima completa dizendo que a conquista e materialização de direitos individuais e coletivos pode reverter o preconceito e a desigualdade vigente no Brasil.

Este processo demanda tempo para acontecer porque depende da capacidade de luta, reivindicação e efetivação de direitos das classes afetadas. “Um processo educacional comprometido com a desconstrução do preconceito e reconhecimento da diversidade, que caracteriza a formação da sociedade brasileira, é um caminho indispensável para uma convivência mais livre, democrática e igualitária”, finaliza.

Rosana Cibok

Comunicadora Social formada pela Universidade São Judas (SP) | Pós-Graduação e MBA em Gestão pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) | Psicóloga (CRP 06/141653) | Hipnoterapeuta com certificação nacional e internacional | Practitioner e Master Practitioner, certificada pela The Society of NLP e Coach.